top of page

Estudo do HC 185.913 (STF): O Impacto da Decisão no Tráfico Privilegiado

  • André De Luca
  • 2 de out. de 2024
  • 4 min de leitura

Atualizado: 3 de out. de 2024


Introdução


Recentemente, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Habeas Corpus (HC) 185.913 trouxe importantes reflexões sobre a aplicação retroativa dos Acordos de Não Persecução Penal (ANPP). Este artigo busca analisar a tese fixada pelo STF e suas implicações, especialmente para aqueles que respondem por tráfico de drogas em determinadas circunstâncias.


O Tráfico Privilegiado: Conceito e Requisitos


Para que um indivíduo se enquadre no tráfico privilegiado, é imprescindível que atenda a certos requisitos previstos em lei: ser primário, ter bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e não integrar uma organização criminosa. Esses critérios visam distinguir entre os casos mais graves e aqueles que, por suas particularidades, merecem um tratamento penal diferenciado.


Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
(...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 

A doutrina, de um modo geral, trata esse indivíduo como “traficante de primeira viagem”, vale dizer, aquele que não faz do tráfico o seu meio de vida. Geralmente não há nos autos outros elementos que indiquem sua dedicação a atividades criminosas ou que sugiram ser ele integrante de organização criminosa, de maneira que faz jus à aplicação da minorante, notadamente em função de sua primariedade e da presença de bons antecedentes.


Nesse norte, colhe-se julgado do Tribunal de Justiça do Paraná:

Apelação crime – tráfico de drogas – ART. 33 , CAPUT C/C ARTIGO 40 , V , AMBOS DA LEI Nº 11.343 /06 E ART. 65 , III , D, DO CÓDIGO PENAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA – PLEITO PELA CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA E REDUÇÃO OU PARCELAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS – NÃO CONHECIMENTO – MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO – MÉRITO - PLEITO PELA APLICAÇÃO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – ACOLHIMENTO – QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA QUE, POR SI SÓ, NÃO JUSTIFICA O AFASTAMENTO DA BENESSE - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS COMPROBATÓRIOS DE HABITUALIDADE DELITIVA OU ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - ACUSADO QUE ATUOU COMO MERA “MULA” DO TRÁFICO NO TRANSPORTE DO ENTORPECENTE - MINORANTE APLICADA EM SEU PATAMAR MÍNIMO (1/6), ANTE A GRANDE QUANTIDADE DE DROGA - DECISÃO reformada – recurso parcialmente conhecido e, NESTA EXTENSÃO, provido. (TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0001736-08.2022.8.16.0181 - Marmeleiro - Rel.: DESEMBARGADOR RUY ALVES HENRIQUES FILHO - J. 12.03.2023).

Em outras palavras, esse indivíduo é aquele conhecido como “mula” do tráfico, que não tem envolvimento com organização criminosa, tampouco respondeu algum processo criminal. O estopim para tal conduta, por vezes, é a precária situação financeira, cuja a “saída” mais fácil é a prática criminosa.


Decisão do STF e a Tese da Aplicação Retroativa


A decisão do STF fixou a tese de que a aplicação do ANPP pode ocorrer retroativamente, beneficiando especialmente aqueles que se encontram na condição de réus por tráfico privilegiado. Esse entendimento implica que, independentemente do momento em que a denúncia foi oferecida, a defesa pode solicitar a aplicação do acordo, desde que sejam observadas as hipóteses previstas.

As três principais situações em que o ANPP pode ser proposto são:


  1. Para processos em trâmite antes da vigência da Lei 13.964/2019: O acordo pode ser proposto a qualquer tempo, desde que antes do trânsito em julgado.

  2. Para processos iniciados após a vigência do "Pacote Anticrime": O acordo deve ser pleiteado na primeira oportunidade em que for possível.

  3. Para investigações e ações penais iniciadas após o julgamento do HC 185.913: Neste caso, o ANPP pode ser solicitado antes do recebimento da denúncia.

Caso Hipotético e a Aplicabilidade da Tese


No caso imaginado, o indivíduo foi denunciado pelo cometimento de tráfico ilícito de entorpecentes, art. 33, caput, da Lei 11.343/06, após a vigência da Lei 13.964/2019. Comumente, observa-se que, em um contexto de "in dubio pro societate", o Ministério Público (MP) opta por denunciar o réu pelo tráfico de drogas (art. 33, caput), e somente ao final do processo, após instrução e julgamento, é que o juiz pode reconhecer a possibilidade do privilégio ao prolatar a sentença.


A defesa, portanto, deverá atuar de maneira proativa, requerendo a aplicação da tese do STF. É importante ressaltar que, caso exista concurso material de crimes - acarretando pena igual ou superior a quatro anos ou envolvendo crimes com violência e/ou ameaça - a aplicação da tese não será cabível, limitando as possibilidades de pleito.


Conclusão


A decisão do STF no HC 185.913 representa um avanço significativo na aplicação do ANPP, proporcionando uma alternativa à criminalização excessiva de condutas relacionadas ao tráfico privilegiado. A retroatividade da aplicação do ANPP, se bem utilizada, poderá promover uma justiça mais equitativa, respeitando os direitos dos réus e evitando a estigmatização daqueles que, por suas circunstâncias, não devem ser tratados da mesma forma que criminosos habituais. Assim, é fundamental que a defesa atue com atenção e estratégia, garantindo que todos os requisitos legais sejam observados para a correta aplicação da justiça.


 
 
 
bottom of page